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OPINIÃO & POLÊMICA

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"Pequenos personagens para grandes biografias" - porque Mohamed Ali e não Pelé é que merece ser chamado de atleta do século
 
Por Félix Soibelman
 
   Iniciemos com Maradona. Maradona fez a festa para os militares durante a ditadura na Argentina...mas quando não pôde entrar nos EUA devido a sua má imagem de viciado adquiriu então "consciência política". A consciência política dele tem tanto valor quanto um copo de papel descartável. Continua sendo um artista de circo, só que dessa vez o picadeiro não é nem o gramado nem a televisão, é a cena política. Sua autenticidade é zero.
 
  Coloquemos ali, também, Pelé. Pelé costuma falar de si mesmo na terceira pessoa, estabelecendo o binômio Edson-Pelé, e talvez faça isso como um inconsciente reconhecimento de sua própria insignificância, sua incapacidade de colocar-se no cenário social à altura do que foi em campo. Figura de expressão mundial pelo que realizou no futebol, o maior jogador de todos os tempos funcionou, mesmo que involuntariamente, como garoto-propaganda do "Brasil milagroso"  forjado pelos militares na ditadura, jamais levantando a voz contra as monstruosidades daquele período nem emprestando sua influência a favor das lutas libertárias de lugar algum. Foi o emblema mais perfeito do "não me comprometa"; só não sabemos se assim procedeu por oportunismo primário ou por ser um simplório inveterado.
 
  Pelé e Maradona são, portanto, duas figuras muito abaixo, como pessoas, do que aquilo que a sua arte projetou no mundo.
 
  Algo semelhante foi o capitão Dreyfus na França. Dreyfus mobilizou meio mundo contra e a favor dele, mas, ao fim, uma vez libertado e corrigido aquele que foi considerado o maior erro judiciário de todos os tempos, revelou-se uma pessoa das mais medíocres, pois, em vez de aproveitar a involuntária evidência que sua vida alcançou, e tornar-se um porta-voz dos direitos e liberdades, tudo que esse minúsculo personagem desejava era voltar ao exército que tanto maculou a sua imagem e ter aquela vidinha limitadamente programada da caserna. Enfim, foi homem muito pequeno para a dimensão na qual o destino o inseriu.
 
  Charles Lindemberg, o aviador que cruzou sozinho pela primeira vez o oceano indo dos EUA à Europa, foi recebido e ovacionado como herói pelo feito, abrindo assim novos horizontes para o mundo através da aviação. Avesso às grandes manifestações públicas, esse "herói" dava a impressão, em seu feitio lacônico, de guardar um espírito profundo, mas tal aspecto revelou-se depois nada mais que um temperamento sem maior conteúdo, de modo que quando seu filho foi raptado e assassinado, o pequeno homenzinho, irritado com o procedimento democrático do Estado de Direito, tornou-se um inimigo figadal da democracia. A democracia para ele era culpada, pois só ela impedia a execução sumária do suspeito e ele não conseguia, em sua limitação de  homem de ação,  compreender a "tão confusa teia dos princípios" que se encontravam na base de tudo aquilo, o que nada mais era senão os direitos e garantias individuais, entre os quais estava a ampla defesa com o consectário do devido processo legal. Assim, Lindemberg voltou sua simpatia para os regimes totalitários e chegou a  viajar à Alemanha nazista a convite dos alemães, e sua esposa ainda escreveu um livro a favor do totalitarismo. Durante  a guerra Lindemberg lutou contra os alemães, mas sua imagem pública já estava irremediável e merecidamente reduzida àquilo que nunca deixara de ser: um intelecto medíocre dentro de uma alma corajosa; se sua vida mereceu um parágrafo nos livros de história foi somente por esse último predicado.
 
   Ayrton Senna é outra personalidade vazia que recebeu tratamento de herói sem ter realizado nenhuma façanha especial fora das pistas. Uma jornalista na ocasião de sua morte suscitou a indignação geral ao chamá-lo de peão de multinacional. Hoje, passada a emoção daquele momento, cabe perguntar: era ele realmente mais do que isso? Sua atuação servia principalmente à divulgação da marca que representava, o que corrobora a frase da jornalista. Não obstante, Senna agitava a bandeira do Brasil  a cada vez que subia ao pódio, conotando suas vitórias com uma contagiante emotividade patriótica que, sincera ou não, também funcionava como excelente marketing. Seu patriotismo, entretanto, salvo algumas ações assistenciais utilizando recursos ínfimos em proporção a seus ganhos, não recebeu nunca maior engajamento, seja político ou social, do que capacetes com bandeiras e bandeiras desfraldadas. Sua irmã, no enterro, disse que morrera um herói mas nascera uma nação. Pergunta-se: que heroísmo teve Senna? Correu ele, arriscou-se a 300 km p/h pelo Brasil ou por seu bolso?
 
   Outra frase amiúde repetida é "tudo aquilo que Ayrton Senna fez pelo Brasil..." Entende-se perfeitamente essa idéia de realização transpessoal do atleta: num ambiente de desagregação moral capitaneada pelo Estado e por aqueles que deveriam ser os guardiões do que há de mais elevado na Nação, os atletas assumem o papel de elementos puros, remontando aos paradigmas da Grécia Antiga, onde o atleta era considerado como o que de melhor havia na sociedade. O povo, descrente das instituições, reserva no atleta seu último bastião, associa ele às virtudes da Nação e adquire momentaneamente, com as vitórias dele, a identificação com a pátria. Mesmo que falemos todos mal do Brasil, na hora de sua vitória nos identificamos e nos orgulhamos de sermos brasileiros. O atleta não é até aí mais que um agente dessa reação, e, como demonstrado, na maior parte das vezes está muito aquém, como pessoa, do papel que assume aos nossos olhos. Passada a euforia das vitórias, retornamos ao de sempre, e, dificilmente qualquer melhoria moral pode ser observada na vida do país, não há nenhuma diminuição da corrupção e dos crimes diários que lesam a economia e a administração pública, enfim, de nada adiantam esses exemplos.
 
    O jogador de futebol Leonardo, campeão mundial de 1994, queria aproveitar essa ascendência dos jogadores de futebol sobre o povo articular uma ação política de conscientização conjuntamente com outros jogadores de renome, mas na época sua iniciativa foi recebida friamente, tendo ainda a opinião contrária de Wanderlei Luxemburgo, que não tinha a mínima condição intelectual de compreender a nobre proposta. Para estar à altura do que sua própria imagem significa para o povo, o atleta notório deveria fazer consciência e canalizar  essa força para o fortalecimento de uma consciência crítica, mas, como visto, na maior parte das vezes a mediocridade grassa e sua vida pessoal não é nem a sombra do brilho que possui no esporte.
 
  É nesse ponto que podemos finalmente falar de um dos únicos grandes atletas da história, que fugiu desse padrão de mediocridade pessoal: o fabuloso Casius Clay, vulgo Mohamed Ali. Ele foi um gigante dentro e fora dos ringues. Basta conferir a sua vida. Vejamos: no auge da carreira dá o troco a uma sociedade que segrega os negros, diz que não lutará na guerra do Vietnam por um país onde os de sua raça são discriminados mas servem para morrer por ela, repudia a religião dos brancos onde a figura central é um branco de olhos azuis, troca seu nome ocidental por um nome islâmico correspondente a uma religião que jamais tivera preconceito racial contra os homens de cor, rompendo assim com as suas mais elementares origens. Por tudo isto desperta a ira do establichment, perde sem lutar sua posição no ranking mundial de box, é processado, sofre todo tipo de revés (muito ao contrário dos atletas de hoje em dia que,  possuem até assessoria de imprensa e compromisso com a imagem de "bom moço" para vender produtos). Em troca Mohamed Ali ganhou uma altura humana indelével com seu gesto rebelde, arriscando tudo o que havia conseguido em nome de um ideal. Perdeu naquele momento o cinturão do box para ingressar na história. Que comparação tem por exemplo com ele Pelé, ou qualquer um desses acima que nada sacrificaram ou arriscaram, de nada renunciaram em prol de nenhuma causa? Somos capazes de imaginar, por exemplo, Pelé deixando de ir para a seleção como protesto contra alguma coisa ou Senna renunciando aos seus milhões em nome de algum ideal maior? Muito ao contrário, todos eles buscam não se envolver para não se comprometer. Via de regra, os atletas no Brasil "foram sempre governo".
 
  Os EUA e quem sabe o mundo mudaram mais, e para melhor, com as atitudes e a assunção política de Mohamed Ali do que com as mirabolantes jogadas de Pelé ou Maradona. Por este ponto de vista, Mohamed Ali é quem merece, verdadeiramente, ser chamado de "Atleta do século"
 
Rio, 05/11/2005
 
 
Félix Soibelman é advogado no Rio de Janeiro e editor e atualizador da Enciclopédia Jurídica Soibelman
 

 


 

                               

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